Problemas do Vaticano na Itália devem influenciar escolha do novo papa, diz historiador da Igreja
Para José Oscar Beozzo, do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular, Vaticano pode voltar a ser comandado por um italiano
Você escreveu sobre a possibilidade de renúncia de um papa há dez anos. Ficou surpreso com a decisão de Bento XVI? O mecanismo da renúncia é previsto no direito canônico. O papa é livre para sair do cargo. Houve casos anteriores, mas praticamente só na Idade Média. Um dos casos aconteceu em 1.294. A situação, claro, chama a atenção. Mas o próprio Bento tinha demonstrado sinais de cansaço e deu indicações de que poderia tomar essa decisão. A idade deve ter pesado, mas houve outros fatores, como a violação da sua intimidade no caso do mordomo que roubou documentos no ano passado. Bento é uma pessoa tímida. Ele também tinha visto o exemplo de João Paulo II, que ficou muito debilitado no cargo, precisando de ajuda para tarefas mínimas. Bento não quis repetir isso, ter um destino semelhante. Também deve ter pesado o exemplo do ex-arcebispo de Canterbury Rowan Williams (o líder espiritual da Igreja Anglicana que renunciou no ano passado após dez anos no cargo). Williams tem só 62 anos e se dava muito bem com Bento XVI.
Quais mudanças devem ocorrer na Igreja? Bento XVI já tinha 78, 79 anos quando assumiu. Também não se esperava um papado longo. O próprio Ratzinger ocupa posições de destaque desde a década de 80. O então cardeal Joseph Ratzinger foi a figura mais influente e poderosa do Vaticano no pontificado de João Paulo II. Ele também foi o último papa a ter participado do Concílio do Vaticano II, nos anos 60. Nenhum dos prováveis candidatos teve essa experiência. Portanto, é o fim de um período.
Bento XVI deve influenciar o processo de escolha do próximo papa? Ele não deve influenciar diretamente o processo de escolha, como um eleitor, mas é lógico que sua opinião vai pesar. Ele nomeou 58% dos cardeais que vão votar.
E qual deve ser o perfil do próximo papa? Dos 210 cardeais que existem, 118 devem votar no conclave. Eles vão levar em conta questões como os problemas políticos na Itália. É possível que o próximo escolhido seja um italiano, que teria mais familiaridade com os problemas. O próprio Ratzinger parece ter dado a indicação nesse sentido. Em 2011, ele transferiu o cardeal Angelo Scola do patriarcado de Veneza para o de Milão. Essa mudança é interessante. Veneza é uma cidade com importância histórica e cultural para a Igreja, mas é um posto confortável. Já Milão é a arquidiocese mais importante da Itália. Vários dos seus chefes se tornaram papas no século XIX e no XX. Paulo VI (1892-1963) foi arcebispo lá.
Perfil
José Oscar Beozzo
Coordenador-geral do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular (Cesep)
Coordenador-geral do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular (Cesep)
Beozzo é mestre em Sociologia da Religião pela Université Catholique de Louvain (Bélgica) e doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Faz parte do Centro de Estudos de História da Igreja na América Latina e no Caribe (CEHILA-Brasil). É autor dos livros A Igreja do Brasil (1993) e a A Igreja do Brasil no Concílio Vaticano II: 1959-1965 (2005).
Nenhum comentário:
Postar um comentário