terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Problemas do Vaticano na Itália devem influenciar escolha do novo papa, diz historiador da Igreja



Problemas do Vaticano na Itália devem influenciar escolha do novo papa, diz historiador da Igreja

Para José Oscar Beozzo, do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular, Vaticano pode voltar a ser comandado por um italiano




Depois de mais de três décadas, o Vaticano pode voltar a ser comandado por um italiano, retomando uma tradição que dominou a maior parte da sua história – em mais de 2.000 anos, a Igreja Católica já foi comandada por mais de 200 papas nascidos na península italiana. Essa é a avaliação do padre José Oscar Beozzo, coordenador-geral do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular, após o anúncio de que Bento XVI deixará o pontificado no próximo dia 28. Doutor em história social pela Universidade de São Paulo (USP), ele faz parte do Centro de Estudos de História da Igreja na América Latina e no Caribe (CEHILA-Brasil). Segundo o padre, os problemas enfrentados atualmente pela Igreja na Itália, o país em que está localizado o enclave do Vaticano, devem pesar na escolha do próximo papa. Nos últimos meses, o Banco Central da Itália tem acusado o Vaticano de não ser transparente em sua contas e, recentemente, a Igreja passou a pagar imposto de propriedade no país.


 
 
Para o padre e historiador, não foi só a idade de Bento XVI, que está com 85 anos, que pesou para sua decisão. O escândalo envolvendo o roubo de documentos por parte de seu mordomo também influenciou. “Foi uma violação da sua intimidade. Bento é uma pessoa tímida.” Em 2002, Beozzo escreveu um artigo em que discorreu sobre as questões legais do direito canônico no caso de uma renúncia de João Paulo II, que à época estava com a saúde muito debilitada.

 
Você escreveu sobre a possibilidade de renúncia de um papa há dez anos. Ficou surpreso com a decisão de Bento XVI? O mecanismo da renúncia é previsto no direito canônico. O papa é livre para sair do cargo. Houve casos anteriores, mas praticamente só na Idade Média. Um dos casos aconteceu em 1.294. A situação, claro, chama a atenção. Mas o próprio Bento tinha demonstrado sinais de cansaço e deu indicações de que poderia tomar essa decisão. A idade deve ter pesado, mas houve outros fatores, como a violação da sua intimidade no caso do mordomo que roubou documentos no ano passado. Bento é uma pessoa tímida. Ele também tinha visto o exemplo de João Paulo II, que ficou muito debilitado no cargo, precisando de ajuda para tarefas mínimas. Bento não quis repetir isso, ter um destino semelhante. Também deve ter pesado o exemplo do ex-arcebispo de Canterbury Rowan Williams (o líder espiritual da Igreja Anglicana que renunciou no ano passado após dez anos no cargo). Williams tem só 62 anos e se dava muito bem com Bento XVI.


Quais mudanças devem ocorrer na Igreja? Bento XVI já tinha 78, 79 anos quando assumiu. Também não se esperava um papado longo. O próprio Ratzinger ocupa posições de destaque desde a década de 80. O então cardeal Joseph Ratzinger foi a figura mais influente e poderosa do Vaticano no pontificado de João Paulo II. Ele também foi o último papa a ter participado do Concílio do Vaticano II, nos anos 60. Nenhum dos prováveis candidatos teve essa experiência. Portanto, é o fim de um período.


Bento XVI deve influenciar o processo de escolha do próximo papa? Ele não deve influenciar diretamente o processo de escolha, como um eleitor, mas é lógico que sua opinião vai pesar. Ele nomeou 58% dos cardeais que vão votar.


E qual deve ser o perfil do próximo papa? Dos 210 cardeais que existem, 118 devem votar no conclave. Eles vão levar em conta questões como os problemas políticos na Itália. É possível que o próximo escolhido seja um italiano, que teria mais familiaridade com os problemas. O próprio Ratzinger parece ter dado a indicação nesse sentido. Em 2011, ele transferiu o cardeal Angelo Scola do patriarcado de Veneza para o de Milão. Essa mudança é interessante. Veneza é uma cidade com importância histórica e cultural para a Igreja, mas é um posto confortável. Já Milão é a arquidiocese mais importante da Itália. Vários dos seus chefes se tornaram papas no século XIX e no XX. Paulo VI (1892-1963) foi arcebispo lá.














Perfil

Padre
José Oscar Beozzo
Coordenador-geral do Centro Ecumênico de Serviços à Evangelização e Educação Popular (Cesep)

Beozzo é mestre em Sociologia da Religião pela Université Catholique de Louvain (Bélgica) e doutor em História Social pela Universidade de São Paulo (USP). Faz parte do Centro de Estudos de História da Igreja na América Latina e no Caribe (CEHILA-Brasil). É autor dos livros A Igreja do Brasil (1993) e a A Igreja do Brasil no Concílio Vaticano II: 1959-1965 (2005).

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